sexta-feira, 13 de novembro de 2009


     Hoje é apenas mais um dia. Daniel acorda, fica uma hora na cama a olhar para o nada, levanta-se a arrastar, veste-se e sai de casa. Note-se que não há amor por si próprio, apenas desprezo. A casa está completamente desordenada, tudo por arrumar, pratos na sala sujos, pinturas de depressão na parede, marcas de sangue das feridas que Daniel nunca realmente sarou, o quarto com a cama por fazer, a secretária preenchida com todos os poemas aos montes, tristes, melancólicos, mas sobretudo abandonados.
     Faz hoje seis meses que Daniel iniciou esta depressão, quando mudou para uma cidade sem nada, onde não conhecia ninguém, vindo de uma realidade ainda pior, onde foi rejeitado pela vida, onde viu pessoas que amava, que realmente amava, morrerem. Daniel tinha apenas dezoito anos, mas tinha uma vida preenchida de coisas que já vira que muitos adultos nem nos seus pesadelos imaginam. A realidade é que Daniel viu os seus pais na desgraça e nunca pôde fazer nada por eles a não ser dar «apoio psicológico». Viu a sua mãe e o seu pai suicidarem-se várias vezes, acredite-se ou não, os erros que viu os seus pais cometerem foram autênticos suicídios, até que percebeu que não havia nada que o agarrasse à vida.
     O corpo de Daniel era um autêntico reflexo da sua mente. O vestir era o mesmo todos os dias, não havia sequer uma tentativa de agradar aos outros, os pulsos tinham várias marcas de cortes, nunca tentativas de suicídio, mas sim tentativas de sentir a vida através do sangue e da dor.
     Entretanto Daniel chega a casa chorando, sem nenhum motivo aparente chora, não porque tenha uma razão em especial, mas porque tem a mesma razão de sempre: a sua vida não vale nada. Hoje foi um dia como todos os outros nos últimos seis meses, um dia inteiro sem fazer absolutamente nada e sem poder fazer absolutamente nada. Daniel sentia que chegara o momento. Correu para a secretária, correu de raiva, escreveu a um ritmo furiosamente rápido, levantou-se foi buscar a faca, e fez um corte diferente de todos os outros. Este foi propositadamente irreversível, este acompanhou a veia, foi feito paralelamente ao braço, acompanhou a raiva que sentia e foi feito paralelamente à sua mesquinha vida. Entretanto caiu, começou a ver tudo turvo, sentiu toda a sua vida passar-lhe à frente dos olhos e, percebendo que nada nela era alegre, sorriu. Talvez este tenha sido um sorriso de alívio por não ter mais que suportar esta vida. Este foi o último sorriso de Daniel.

    
     Eu próprio fui este Daniel, eu também suicidei o Daniel que existia em mim e os problemas que descrevo acerca da vida deste homem são na realidade os meus problemas. Nunca tive uma tentativa física de suicídio mas mentalmente fui matando algumas coisas que existiam na minha cabeça. Espero que as pessoas percebam um dia que a vida pode ser maravilhosa, mesmo quando saímos de uma depressão «não clínica» como a que tive. A vida pode de facto ser boa, temos é de olhar para ela de outra forma, mudar de lugar, conhecer algo novo, agarrarmos-nos ao que de bom temos e a vida de certeza será uma constante construção pessoal para uma felicidade que sei que todos desejamos.

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